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Gn. 2.8,9,15
Gn. 2.8,9,15
No princípio Deus...
Valdir Steuernagel
Pela janela da nossa casa eu contemplo o sol, em
sua majestade, se pondo com beleza e dignidade sobre um verde exuberante em que
se sobressaem, altaneiras, muitas copas de protegidas araucárias.
Forte, lindo
e imponente, ele indica que o dia está chegando ao fim. Ao contemplar a
belíssima paisagem, me pergunto até quando esse verde se manterá, ou se o
desenvolvimento urbano e a exploração imobiliária tornarão este cenário
cinzento e sem vida, e o pôr do sol mais triste.
Todavia, em Curitiba, onde moramos, acabar com
este verde não é tão fácil. Anos atrás, ao construirmos a sede do Centro de
Pastoral e Missão, onde eu atuava, a liberação do projeto demorou porque a
construção implicava o corte de uma imponente árvore chamada açoita-cavalo.
Finalmente a construção foi remanejada para proteger a árvore e esta passou a
fazer parte do complexo. Apesar de não ter gostado da demora na aprovação do
projeto, confesso que gostei da firmeza e rigidez dos órgãos envolvidos na sua
avaliação. E nós, ao integrarmos aquela árvore ao nosso projeto, contribuímos
para que o verde ainda seja uma pequena realidade na cidade.
Lembro-me disso ao escrever este artigo que quer
celebrar a criação de Deus e reconhecer o seu mandato para construirmos um ambiente
de vida onde a natureza seja preservada, onde haja espaço e recursos para todos
e a criação seja celebrada como um ato de Deus a cada pôr do sol.
Não me canso de encantar-me com os dois relatos
da criação sobre os quais vimos refletindo nesta coluna de Ultimato. Além de
nos levarem ao reconhecimento de Deus como criador, eles nos presenteiam com a
revelação de que somos chamados a participar no gerenciamento da sua criação.
No relato de Gênesis 1, Deus cria o homem e a
mulher, abençoa-os e, ato contínuo, manda-os ocupar o espaço criado por meio do
milagre da multiplicação, exercer autoridade sobre a natureza e os seus
habitantes e extrair da terra o necessário para a sobrevivência, não apenas da
raça humana, mas de toda a criação carente de sustento (Gn 1.28-30). Em Gênesis
2, a orientação que Deus dá ao casal recém-criado tem outros contornos, mas o
mesmo cerne: cuidar do jardim no qual eles foram colocados e alimentar-se
daquilo que ele havia criado (Gn 2.8-15).
Há um enorme leque de aprendizados a partir
destas narrativas, mas me detenho a dois deles.
Da mentalidade do progresso para a cultura do
cuidado
Nós somos, em grande parte, fruto de uma
mentalidade do progresso, na qual o importante é extrair e produzir. A natureza
torna-se uma fonte de matéria-prima e qualquer coisa que se interponha a este
objetivo tem de ser conquistada ou derrubada. Assim, extraímos os recursos
naturais que encontramos e jogamos os detritos em qualquer lugar ou em qualquer
rio; derrubamos tudo o que seja empecilho para produzir mais e a melhor preço;
e transformamos as nossas cidades numa selva de pedras, a natureza num espaço
destruído, os nossos rios numa correnteza de dejetos e poluímos os nossos céus
a ponto de ofuscarmos o pôr do sol. E com isso julgamos estar progredindo.
Este, no entanto, é um progresso doentio e cresce
o reconhecimento de que seguindo esse ritmo acabaremos impossibilitando a
própria vida. As bruscas mudanças climáticas, os processos de desertificação,
os incontroláveis índices de poluição (para citar apenas alguns exemplos) irão
causar significativos índices de doença, morte e crescentes conflitos devido à
busca de espaço limpo, clima saudável, água potável e recursos naturais
necessários para manter a vida fluindo.
As palavras de Gênesis 1 e 2 nos convocam a um
jeito de viver que aponte para o fato de que o mundo em que vivemos não é nosso
e de que não somos donos de nada, mas apenas gerentes de algo que nos foi
confiado. Um jeito que nos convoca ao respeito pela criação e à gestação de uma
cultura do cuidado, tanto com a natureza como de um com o outro. Um jeito
consciente de que adorar a Deus produz respeito em relação ao outro e à própria
natureza. Envolver-se na cultura do cuidado é um ato de obediência a Deus.
Deus quer muito mais do que salvar a nossa alma.
Deus nos criou para a convivência coletiva, a
construção de uma cidadania justa e respeitosa e para a cogestão do meio
ambiente, num ritmo que inclui o descanso. Nós, no entanto, parecemos ignorar
isso, ao entendermos erroneamente a nossa vida com Deus como algo
espiritualizado, enquanto na vida cotidiana seguimos o mandato do mercado.
Transformamos a vivência da nossa fé em algo estreito e capenga, vivendo como
se Deus só se interessasse pelas “nossas almas” e deixando o resto da nossa vida
entregue às próprias leis, quando não à força do mal. É preciso resgatar a
compreensão de que todas as áreas da nossa vida estão nas mãos de Deus e devem
ser uma resposta ao Deus que nos criou por inteiro. Caso contrário, estaremos
reduzindo o próprio Deus, como se ele fosse um deus parcial com interesses
parciais. O convite dos relatos da criação certamente não segue esta vertente.
Pelo contrário, eles têm sintonia com o salmista (Sl 105.1) quando ele diz:
“Deem
graças ao Senhor, proclamem o seu nome;
divulguem
os seus feitos entre as nações”.
• Texto de Valdir Steuernagel ele é pastor na
Comunidade do Redentor, em Curitiba. Faz parte da Aliança Cristã Evangélica do
Brasil, da Aliança Cristã Evangélica Mundial e da Visão Mundial.